Era para Nizan Guanaes escrever um texto opinativo, assim como faz esporadicamente, mas na última quarta-feira ele mudou as regras. Colunista da Folha de S.Paulo, o publicitário dono do Grupo ABC usou o espaço do jornal mais lido do país para anunciar que está à procura de uma grande cozinheira: “uma Dona Flor, mas que não precisa ter o corpo da Sônia Braga -precisa é cozinhar”, descreve com estas palavras.
Em tom brincalhão, o empresário fala sério, publica e-mail de contato e pede indicações. “Escrevo este artigo porque acredito muito na força mobilizadora da mídia impressa, dos jornais que todos os dias entram na nossa casa cedinho gritando as notícias em silêncio”, informa. Uma jogada arriscada, mas oportunista, do homem que cunhou o célebre lema para o mundo dos negócios: “enquanto uns choram, outros vendem lenços.” Tamanha ousadia geraria polêmica. Era só questão de tempo.
O texto-anúncio não se trata só de pura propaganda; vem acompanhado de um raio x macroeconômico. Nizan justifica a oportunidade como um espelho da atual situação do Brasil, que dá perspectivas animadoras à população. Segundo ele, os brasileiros querem crescer, abrir seus próprios negócios e abraçar profissões “mais nobres”. “E isso é ótimo para elas e para o país”, completa. Mas foi exatamante este ponto que despertou Fernando Rodrigues, colega do mesmo jornal, a questionar as frases que originalmente buscam uma grande cozinheira.
Apesar de elogiar a cabeça pensante do chefão do ABC, Rodrigues escreve que as palavras relembram “um pedaço renitente do Brasil antigo, profundo.” O argumento é de que “esse criptopreconceito vem sempre pendurado em algum elogio”. Para Rodrigues, ao mesmo tempo em que o publicitário louva o país dizendo que “as pessoas querem ter seu próprio negócio, abraçar profissões ‘mais nobres’, Nizan “quer a sua cozinheira para fazer aquela ‘grande e vasta comida brasileira.”” Ainda que de forma involuntária, o empresário retrata “como é resiliente o velho Brasil no nosso cotidiano”, na visão de Fernando Rodrigues.
Não bastasse a primeira repercussão, outra colunista também resolveu dar pitacos, mas com viés diferente. Danuza Leão criticou o fato de Nizan usar o espaço para se autopromover. “No caso -no meu entender- foi um abuso, pois os jornais vivem de seus espaços publicitários e, claro, Nizan não pagou nada; aliás, deve ter recebido para escrever a coluna. É um problema de não misturar as bolas: opinião é opinião, anúncio é anúncio”, escreve.
Confira abaixo o texto de Nizan Guanaes:
“Procura-se uma grande cozinheira
A razão do meu desespero por uma cozinheira é fruto do bom momento econômico do Brasil
Estou há anos procurando uma cozinheira de mão-cheia. Uma Dona Flor, mas que não precisa ter o corpo da Sônia Braga -precisa é cozinhar mesmo. Fazer aquela grande e vasta comida brasileira. E se ainda souber fazer comida baiana, melhor ainda. Um bom mal-assado, uma feijoada como se come lá nas festas do terreiro do Gantois.
Não precisa saber cozinha francesa e italiana. Porque a cidade já dispõe de grandes restaurantes para isso.
Precisa, sim, de leitão a pururuca, de sequilhinhos, de um belo bolo de laranja. Tendo mão e alma boa, não precisa nem ter gênio bom. Basta ser divina. Como a cozinheira da grande estilista Lenny Niemeyer, que faz todos os domingos o melhor almoço do Brasil.
Escrevo este artigo porque acredito muito na força mobilizadora da mídia impressa, dos jornais que todos os dias entram na nossa casa cedinho gritando as notícias em silêncio.
Escrevo também para lembrar que os primeiros anúncios publicitários feitos neste país foram de coisas triviais como vender um burro, achar um cão perdido ou buscar uma cozinheira.
O peixe que um anúncio vende pode ser vender um carro, um perfume, recrutar uma cozinheira, mas anúncios são feitos para vender o peixe.
Os melhores anúncios são aqueles que se não se esquecem disso.
Que não se esquecem de que a propaganda foi feita para chamar a atenção da pessoa, para reter o leitor, o telespectador. Como você já está lendo este texto por alguns parágrafos, é sinal de que estou sendo bem-sucedido nessa função.
O título “Procura-se uma grande cozinheira” é chamativo. Porque é inesperado. Sobretudo no caderno Mercado da Folha.
Títulos têm de ser inesperados, senão ninguém lê anúncio. E as pessoas, como você bem sabe, não nasceram para ler anúncios.
A chamada é verdadeira. Não é propaganda enganosa. Porque preciso de fato de uma cozinheira.
É verdade que a quituteira que procuro talvez não leia este caderno. Mas a Folha é o jornal mais lido em todo o país e certamente deve ter alguém entre seus leitores que pode conhecer a minha prenda.
Estamos chegando ao final do ano, ao período de Natal, as pessoas estão imbuídas do espírito natalino e podem fazer essa boa ação para um ex-gordo como eu.
Portanto, se você conhece uma grande cozinheira, mande um e-mail para nizan@africa.com.br. É óbvio que preciso de referências. Melhor ainda se forem de gourmets ou gordos, de pessoas de colesterol e acido úrico altos.
A razão do meu desespero por uma cozinheira é fruto do bom momento econômico do Brasil.
Como em qualquer país que se preze, graças a Deus não é mais fácil encontrar empregados domésticos no nosso prezado país.
As pessoas querem ter seu próprio negócio, abraçar profissões “mais nobres”. E isso é ótimo para elas e para o país.
É uma mudança transformadora, que nos impacta das melhores maneiras possíveis, mas também nos coloca na desesperadora e cafajeste situação de desejar a cozinheira do próximo.
Peço aos leitores que sejam solidários comigo e aos jovens redatores de propaganda que lembrem o que o grande guru da propaganda David Ogilvy me ensinou: propaganda é para vender.
Ela tem de ser sedutora, confiável e vendedora como um bom corretor de imóvel. Seja o anúncio de um celular, seja o anúncio procurando uma cozinheira, ele tem de ter impacto, eficiência e graça.
Se não entretém, não chama a atenção e não vende, não é boa propaganda. Propaganda tem de ter molho e sal. E ser feito por gente que tem boa mão.
Espero que este artigo-anúncio classificado atinja seus objetivos. E que graças à força da Folha e de santo Expedito eu encontre a minha tão sonhada cozinheira.
Aliás, cozinheira anda tão difícil que hoje a gente não pede mais para santo Expedito, a gente pede é para santo Antônio.”